sexta-feira, 7 de junho de 2013

"A Ignorância" de Milan Kundera

  • Sobre o livro
A Ignorância de Milan Kundera
2001, Edições Asa
170 páginas
  • Sobre o autor
Milan Kundera é o escritor checo mais reconhecido mundialmente. Nascido a 1929, os seus livros não foram publicados na Checoslováquia até á Revolução do Veludo, onde o regime comunista foi banido. Apesar dos imensos livros bem escritos, nunca ganhou um Prémio Nobel da Literatura, tendo estado apenas nomeado. As suas obras são Risíveis Amores (conto em 1969), O Livro do Riso e do Esquecimento (1978), A Insustentável Leveza do Ser (1983), A Imortalidade (1990) e A Ignorância (2000), onde são tratadas com especial atenção as escolhas, decepções, a saudade e a nostalgia. Em 1988, A Insustentável Leveza do Ser foi adaptada ao cinema, pela mão de Philip Kaufman com Daniel Day-Lewis e Juliette Binoche; foi nomeada a duas categorias dos Óscares e desde aí que o autor recusa qualquer adaptação cinematográfica a uma das suas obras.
  • Sobre a história
Este livro fala de muita coisa.
Fala de dois protagonistas, Irena e Josef, que partilham o mesmo país natal, memórias e um acontecimento que mudou a vida de Irena. As memórias de Irena estão bastantes vivas, lembra-se de como conheceu Josef e da sua cidade natal bastante bem. As memórias de Josef já são mais diluídas.
 
Numa viagem de regresso ao seu país natal, após uma partida há vinte anos, estes dois seres encontram-se e Irena, lembrando-se do seu passado, convida Josef para um café. Já Josef, aceita por ser uma rapariga bonita.
 
Irena, após emigrar, teve dificuldades em se adaptar a Paris, querendo apagar o seu passado, do regime comunista da Checoslováquia, e após a morte do seu marido, refugia-se nos braços do amante Gustaf, falando apenas em francês, a lingua mais literária e sensível possível. Josef, que vive na Dinamarca há 20 anos também, agora sem mulher, decide voltar ao seu país Natal, após a queda do regime comunista em Novembro de 1989.
 
Este livro relaciona e muito bem a saudade e nostalgia sentida por Ulisses, na Odisseia, com a vida destes dois emigrantes, que se exilaram por quererem uma vida melhor. Curiosamente, 20 anos foi também o tempo que Ulisses esteve longe de Ítaca e de sua Penélope. Ulisses, ao regressar da Batalha de Tróia, perde-se pelo caminho durante 20 anos, e fica preso no conforto dos braços de Calipso por 7 anos. Claro que Ulisses era obrigado moralmente a voltar para a sua mulher, mas se esteve tanto tempo preso a Calipso, é normal já começar a sentir alguma coisa. Aqui temos a contradição da tradição (Penélope) e do amor verdadeiro (Calipso). Ulisses escolheu Penélope, voltando assim à sua terra natal (Ítaca) e põe a tradição em primeiro lugar.
 
Tanto Josef como Irena esqueceram a sua terra natal, tendo apenas memórias vagas de um lugar consumido pelo comunismo, e no entanto ambos decidem voltar. "A esta luz etimológica, a nostalgia aparece como o sofrimento da ignorância. Tu estás longe, e eu não sei o que te acontece. O meu país está longe, e não sei o que lá se passa." (pág. 8). Deste modo, o autor relaciona o sentimento de nostalgia com o sentimento de Ignorância (e aqui temos o nome do livro), e é a nostalgia que liga Ulisses, Josef e Irena. A saudade de voltar à terra natal e de se sentirem pertencentes a ela. Apesar desse desejo, ambos têm o sentimento de pertencerem a outra terra que não a natal, porque ao se distanciarem, as personagens cortaram relações com ela e com a sua família (o Estado perseguia o individuo que manifestasse desejo de sair do seu país, sendo considerado como traidor à Pátria e ter um familiar exilado era vergonhoso).
 
Um sentimento interessante destes dois seres é a memória. Ambos querem, no lugar para onde fugiram, estarem calados sobre o seu passado, escondê-lo, enquanto que na sua terra natal, só querem que lhes perguntem como correu a sua Odisseia, a sua viagem de regresso. Mas devido ao distanciamento para com a família e a vergonha de ser um fugitivo, não há perguntas nem falares. Apenas uma: quando o irmão diz a Josef: "Soube que arranjaste mulher lá fora". E é só isto, não se fala mais no assunto.
 
Então mas e afinal, que tinham Irena e Josef em comum? Conheceram se num bar e criaram empatia. Nunca mais se falaram. Josef esqueceu-a, Irena relembrou-o por anos.
 
Neste romance espetacular, é falado a saudade, a nostalgia, a emigração, a tradição e o mais importante, a Ignorância, porque estas duas personagens, ignorantes em relação ao estado de como o seu país está, desconhecendo-o pós-1989, irão regressar a um país que nunca lhes foi deles e que nunca irá ser, porque o país que conheceram não existe mais e apesar de haver oportunidade de redenção, a história essa fica para sempre.
  • Classificação
5/5

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